Desde o início da pandemia do novo coronavírus, ficou evidente que o Sars-CoV-2 não era apenas uma versão potencializada do vírus, devido às suas características incomuns. Além da fácil disseminação e dos altos índices de mortalidade, a doença também causa sequelas, das quais muitas ainda são desconhecidas e outras ainda possuem poucas informações. Entre essas sequelas, podemos destacar o surgimento de alterações psicológicas.
O coronavírus pode induzir sequelas psicológicas através da infecção viral no sistema nervoso central ou através da resposta imunológica. Além da possível infiltração cerebral, as citocinas envolvidas na resposta imune do organismo podem causar sintomas neuropsiquiátricos. A extensão deste tipo de sequela ainda não é clara, mas a maioria dos pesquisadores acredita que o efeito neurológico deixado pelo vírus, resulta da falta de oxigenação no cérebro ou surge como através da resposta inflamatória do corpo ao contágio.
Normalmente, o cérebro é protegido de doenças infecciosas, pela barreira hematoencefálica — um revestimento de células especializadas que atravessa o cérebro, bloqueando micróbios e outros agentes tóxicos — mas quando o SARS-CoV-2 consegue entrar no cérebro ele ataca as células responsáveis pelos processos metabólicos, dificultando a produção de neurônios. Os sintomas neurológicos são menos comuns entre os pacientes com covid-19, quando comparados aos problemas pulmonares, mas a recuperação desses sintomas pode levar muito mais tempo. Na França, um estudo avaliou alguns pacientes de covid-19, com dois meses de alta da doença e que sofriam de fadiga pós-viral e depressão grave.
As doenças neurológicas são aquelas que afetam o cérebro, a medula espinhal e os nervos, com sintomas que podem variar desde dores, como cefaleia e dor nas costas, a fraqueza nos músculos, perturbação dos sentidos (visão, paladar, olfato e audição), falta de coordenação, dormência e até AVC. Já os transtornos psiquiátricos, são condições que afetam o humor, o raciocínio, a memória e o comportamento. Dentre os transtornos mais comuns estão a depressão, a ansiedade, o estresse pós-traumático e o transtorno bipolar.
Um estudo feito em Wuhan, na China, avaliou as consequências de longo prazo da covid-19 em alguns pacientes, identificando que 26% da população analisada apresentava dificuldades para dormir e 23% sinais de ansiedade e depressão. Além disso, as queixas neurológicas mais comuns entre pós-covid são os lapsos de memória e a falta de concentração, devido às lesões nas células cerebrais, pela infecção viral. Outras pesquisas apontam que as consequências psiquiátricas do SARS-CoV-2 podem ser causadas tanto pela resposta imune ao vírus como pelos estresses psicológicos advindos do isolamento social, do impacto psicológico de uma doença grave e do receio de infectar outras pessoas.
O isolamento social é outro fator responsável por agravar os quadros de depressão e ansiedade, que junto com as consequências da infecção da covid-19, podem levar a graves complicações aos pacientes com essas condições. A descoberta das sequelas neurológicas é muito importante, já que pode mudar o tipo de tratamento que alguns pacientes estão recebendo. Não adianta tratar apenas o pulmão do paciente, já que o coronavírus está no cérebro. Para complicar ainda mais essa situação, muitas pessoas com sinais do Sars-CoV-2 nunca foram testadas para o vírus, podendo ter desenvolvido a doença de forma assintomática.
Mesmo que os estudos sobre as alterações na mente, causadas pela covid-19, ainda não tenham alcançado resultados definitivos, a estimativa é de que aproximadamente 50% dos pacientes infectados pela doença desenvolveram problemas neurológicos. Isso significa que nós, médicos, devemos estar atentos à gravidade desses problemas, já que essas alterações neurológicas podem não ser reconhecidas como uma consequência da covid-19, quando surgirem.
Os pacientes que foram infectados pela covid-19 devem realizar avaliações rotineiras, de forma a diagnosticar e tratar condições psiquiátricas em suas condições iniciais, reduzindo as consequências que um tratamento tardio pode causar. Esse acompanhamento poderá auxiliar na investigação das doenças psiquiátricas, o que aumentará o nosso conhecimento sobre a causa dessas alterações psicológicas.