Basta ser humano para potencializar todo tipo de sofrimento. Todos nós sofremos mais cedo ou mais tarde, e a maioria das pessoas passa uma parte grande do seu tempo buscando evitar, fugir ou transformar o sofrimento.
Buda disse que estar vivo e consciente é sofrer. Jesus disse “no mundo tereis aflições”. É razoável, portanto, afirmarmos que o sofrimento é ‘onipresente’ entre os seres humanos. Um tipo fundamental de mal-estar pelo qual todos passam, sejam quais forem as causas específicas. Ricos e pobres, homens e mulheres, negros e brancos, jovens e velhos; sofrem igualmente, embora o sofrimento de cada um pareça a si mesmo ser único ou maior que dos outros.
Sogyal Rinpoche, grande mestre budista tibetano, ensina que todo sofrimento tem origem nos martírios gêmeos de ter e de não ter. Não me atrevo a concordar ou discordar dele, mas sei que sempre se pode sofrer, e por qualquer número de razões. Pode-se sofrer por causa do passado ou do futuro. Pode-se sofrer por si mesmo ou pelos outros. Pode-se sofrer por crenças ou descrenças. Pode-se sofrer porque se está vivo ou porque se está morrendo. Pode-se sofrer em nome do amor, da arte, da ambição, ou do próprio sofrimento. Pode-se sofrer porque se sofre demais ou de menos. E pode-se sofrer porque nos recusamos a extinguir nosso sofrimento e, em vez disso, fazemos os outros sofrerem também.
Jó (personagem bíblica que dá nome a um livro) talvez tenha experimentado boa parte desses sofrimentos. O mito de Jó, pela primeira vez na história da humanidade, levanta a possibilidade de nunca se saber o motivo do sofrimento. Vai além: nos leva a questionar se é preciso que haja sempre um motivo para o sofrimento. Em suma, aponta para a “desconfortável” posição da existência humana de passar por sofrimentos sem causa ou explicação.
Quando isto acontece conosco, quando somos atingidos por sofrimentos sem explicação e desproporcionais, a primeira pergunta que nos vem mente é "por que comigo?". Ironicamente, esta mesma pergunta é a última da lista se, ao invés do sofrimento, fossemos agraciados com um bilhete premiado da mega sena.
Ora, se em se o mesmo questionamento que se aplica ao sofrimento é descartado na sorte ou na alegria, podemos então desconfiar que a questão não é o sofrimento em si, mas a nossa lida com ele.
Pensando desta forma, o psicólogo e filósofo francês Jean-Paul Sartre cunhou uma frase que se tornou célebre:
"não importa o que fizeram conosco, o que importa é o que fazemos daquilo que fizeram conosco"
Isto quer dizer que o sofrimento é contingencial, nunca sabemos quando e como nos afligirá. Porém, a maneira com que vamos lidar, o modo em que iremos administrar nossas emoçoes, nossas relações familiares e de trabalho, nosso humor e nosso convívio com as pessoas, é de nossa inteira responsabilidade. Se aquilo que nos faz sofrer é como um golpe que nos põe de joelhos, cabe a nós escolher entre lá permanecer ajoelhado ou absorver o impacto do golpe, reunir forças e nos colocar de pé novamente.