Existe uma infinidade de drogas que atuam em partes diversas do corpo humano, portanto é preciso conceituar “drogas”. Aqui estamos falando de drogas psicoativas, aquelas que, conforme a definição farmacológica, são substâncias (naturais ou não) capazes de alterar estados da consciência e/ou a percepção da realidade (efeitos que variam de estimulações suaves a pertubações na percepção do tempo, do espaço e de si próprio).
Essas substâncias podem ser classificadas em três categorias:
- Drogas Estimulantes: aumentam a velocidade de transmissão da informação dos neurotransmissores;
- Drogas Depressoras: diminuem a velocidade de transmissão da informação dos neurotransmissores;
- Drogas Perturbadoras: confundem e atrapalham a transmissão de informação dos neurotransmissores;
Distribuídas entre as categorias acima estão as drogas tidas como “lícitas” e “ilícitas”. Este tipo de classificação gera entendimentos equivocados e por este motivo deve ser rejeitado. Dois exemplos comuns de equívocos causados por esta classificação: a) achar que o álcool, por exemplo, só por ser uma droga lícita em nosso país, é menos nocivo à saúde que qualquer outra droga ilícita; b) achar que há um consenso mundial em como lidar com a questão das drogas e seu uso, legalizando algumas e proibindo outras.
A milenar relação entre o homem e as drogas ao longo da história da civilização também tem padrões de uso observáveis, os quais podem ser classificados nas seguintes categorias:
- Uso experimental: por uma série de fatores, desde curiosidade até pressão do grupo, se experimenta uma substância psicoativa que geralmente ocasiona muito prazer. Vale ressaltar que o prazer referido é mais que o efeito psicoativo, é também o social. Um adolescente de 14 anos que se esforça em mostrar para os amigos que prefere cerveja a refrigerante, está tentando transmitir com este ato que é maduro, e portanto o prazer social supera o aspecto biológico;
- Uso ocasional: a droga é utilizada esporadicamente, ou seja, em ocasiões específicas, como uma festa ou um show. Os efeitos da droga já são conhecidos para quem está neste padrão. Alguns teóricos afirmam que a vida profissional/estudantil e afetiva do usuário não é afetada negativamente neste padrão;
- Uso habitual: uso frequente. Semanal ou mesmo diário. A lógica do uso se inverte e quase tudo é motivo para usar droga. O prazer já não é evidente, e cede lugar a um grande desprazer quando do não uso. Neste padrão, boa parte das pessoas ainda consegue cumprir com suas obrigações sociais e relações afetivas e/ou de trabalho/estudo;
- Dependência: A pessoa se sente compelida a usar droga(s). O uso perde seu vínculo com o prazer que proporcionara e, agora, fundamentalmente, se relaciona com o desprazer e a angústia que sua falta causam. A droga torna-se o centro da vida da pessoa, e praticamente todas as suas ações e pensamentos estão voltados em como conseguir aquela substância o mais rápido possível. Grande parte dos dependentes (exceto talvez os dependentes em tabaco e uma ou outra droga específica) apresenta enormes dificuldades em cumprir com suas obrigações sociais, pois parte de seu dia é dedicado a adquirir e consumir a droga, o que prejudica severamente sua rotina, sua vida cotidiana;
O DSM-V define dependência como um agrupamento de sinais e sintomas que indica que o indivíduo continua a usar uma determinada substância, apesar dos significativos problemas relacionados a ela.
Contudo, para melhor compreender a relação entre o homem e as drogas, é preciso incluir mais uma dimensão nesta visão panorâmica sobre o uso de drogas, uma dimensão que vem sendo ignorada em boa parte dos diagnósticos clínicos até a segunda década do corrente século. Esta é a dimensão que identifica de que modo a droga está sendo utilizada em cada um dos quatro padrões de uso. Ou seja, o usuário pode apresentar um padrão experimental, ocasional, habitual ou de dependência associado a um dos seguintes modos de uso:
- Controlado: maior capacidade em controlar a quantidade de uma substância no momento do consumo. Por exemplo, o usuário estabelece que vai beber três copos de cerveja e obtém sucesso sem maiores dificuldades;
- De risco: capacidade reduzida de controlar a quantidade de uma substância no momento do consumo, aumentando o risco de consequências prejudiciais à saúde. O usuário estabelece que vai beber três copos de cerveja, mas tem dificuldades para cumprir o combinado, abusando do álcool algumas vezes;
- Nocivo: capacidade mínima de controlar a quantidade de uma substância no momento do consumo, causando dano à saúde. O usuário estabelece que vai beber três copos, mas na maioria das vezes, ou sempre, abusa da substância;
A exposição dos padrões acima tem por interesse ressaltar um pressuposto fundamental:
“O uso de substância psicotrópica não culmina, necessariamente, no fenômeno da dependência. […] São muitas as variáveis que operam simultaneamente para influenciar a probabilidade de uma determinada pessoa tornar-se um dependente, organizadas em três categorias: substância (drogas), usuário (pessoa) e o meio social (contexto). Assim, podemos perceber que o padrão e o modo de uso de drogas não são determinados apenas pela constituição genética, psicológica ou do ambiente da pessoa, mas da inter-relação destes fatores.”
– Marcelo Sodelli (tese de doutorado em Psicologia da Educação na PUC-SP/2006 – publicado como livro em 2010)