Em recentes artigos, ficou evidente a aceleração das degenerações discais por causa da realização de procedimentos diagnósticos intradiscais, assim como ficou evidente a ineficácia do IDET, que as artrodeses e estabilizações dinâmicas não são ideais nas doenças degenerativas discais frequentes, que as próteses discais não são tão maravilhosas como pensávamos...
"Eu não sei quase nada, mas desconfio de muita coisa". Assim disse Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, no seu clássico Grande sertão: veredas. Aproveito este mote.
No rastro da Medicina Baseada em Evidências, estamos como Riobaldo: com poucas certezas e muitas desconfianças. Mas, nesse nosso grande sertão, com poucos recursos e muitos perigos, mais valem as nossas desconfianças do que as falsas certezas alheias.
Realmente, ninguém sabe com precisão qual a importância das degenerações discais no surgimento das dores raquidianas (quem souber, me avise!).
Estudamos a biomecânica e sabemos dos fatores que sobrecarregam e aceleraram a degeneração discal, mas não sabemos quem terá dor ou não. Estudamos os princípios mecanobiológicos que ligam as cargas ao metabolismo discal, mas relacionar isto às dores é bem complicado. Solicitamos vários métodos diagnósticos para os discos degenerados, mas não sabemos da importância das imagens e dos resultados dessas análises na causa das dores. Executamos vários métodos terapêuticos inovadores, bonitos e caríssimos, mas não sabemos da sua real efetividade. Desconfio de muita coisa quando vejo isto.
Mas como bem poetisou Riobaldo: "Viver...o senhor já sabe: viver é et cetera..."
Diagnosticar e tratar também é et cetera... Não dá para ser "ponto final". Querer reduzir a complexidade da dor a uma estrutura, a esta estrutura imputar um teste preciso e, então, aplicar uma terapia perfeita, é zombar do et cetera...
Viveremos muito tempo na dúvida, no et cetera, mas tudo bem... Não são as dúvidas que me amedrontam, são as certezas. São as certezas de que procedimentos incertos serão propagandeados aos quatro cantos, defendidos com paixão, realizados em escala industrial, discutidos em suas falsas evidências e substituídos por um novo ciclo renovador de falsas certezas. Procedimentos não podem ser transformados de anjos a demônios. Se isto ocorrer, desconfie de que nunca foram anjos, apenas davam asas a alguém.
Discutir os caminhos do diagnóstico e do tratamento das dores da coluna vertebral é bem mais que uma questão de ciência, é uma questão de consciência. Consciência que parece estar se curvando às falsas certezas alheias, cega ao principal fundamento da medicina: primum num nocere.
Temos que aprender a caminhar com boa-fé no meio dos sertões da dúvida, pois melhor é a prática consciente na verdadeira dúvida do que a prática interesseira na falsa certeza, fabricante de rótulos certos (dores deste tipo, daquele tipo, deste outro tipo...) para aplicar soluções incertas.
E viva o et cetera...